CRÔNICAS DO COTIDIANO: O “Bode Ioiô”, o “Cacareco”, o “Macaco Tião” e o Voto Impresso
Por Walmir de Albuquerque Barbosa. Jornalista Profissional.
Podem me chamar de “cringe”. A idade nos condena, mas nós temos boas histórias para contar, antes que os analistas emitam a “opinião abalizada” e a “Geração Z” zoe pela Internet que isso é “coisa de velho”. E não é, está na ordem do dia! Alguém já disse: “e se continuarem com esse voto eletrônico aí, ano que vem, vai ter problema”.
Pois é, o Bode Ioiô, morreu na década de trinta do século XX, parte do corpo ainda resiste empalhado no Museu do Ceará, e entrou para história ao eleger-se vereador por Fortaleza em 1922. Ele aparece em Fortaleza na bagagem de uma família de retirantes, na Seca de 1915 (retratada por Raquel de Queiroz no seu romance “O Quinze”). Premidos pela necessidade, a família de retirantes entrega o Bode em troca de alimentos a um grupo de boêmios que, numa praça central de Fortaleza, comemorava o aniversário de morte do amigo Paulo de Castro Laranjeira que ali, diante de todos, cometeu o suicídio após ser preterido por sua amada, uma donzela, filha de uma família da aristocracia cearense.
Consta que os boêmios viram no Bode Ioiô uma encarnação de Paulo Laranjeira e passaram a cuidar dele, mas preservando a sua liberdade de “ir e vir” na Orla da Praia de Iracema, apesar da implicância das autoridades municipais, que o perseguiam por contrariar a política Higienista, que pretendia tornar Fortaleza a Paris do Nordeste. O Bode era terrível e, desafiando as convenções, antes que as Autoridades Convidadas chegassem para inaugurar uma sala de cinema, ele “comeu a faixa da inauguração”.
O Cacareco era um rinoceronte do Zoológico do Rio de Janeiro e que foi emprestado ao Prefeito de São Paulo Jânio Quadros para que o mesmo tivesse uma novidade de peso na inauguração do Zoológico Paulista, onde virou atração principal. Apesar das cobranças de Negrão de Lima, Prefeito do Rio, Jânio protelou o quanto pode a devolução e chegou a apoiar uma
campanha intitulada “o Cacareco é nosso”, plagiando a campanha publicitária nacionalista em prol da criação da Petrobás: “O Petróleo é nosso”. Vinda a eleição Municipal de 1959, o Cacareco recebe cerca de 100 mil votos para vereador de São Paulo. Devolvido, morreu em 1962, quando
Jânio Quadros já havia sido eleito Presidente da República. Ah! Cacareco não era macho e sim uma rinoceronte fêmea.
A história do Macaco Tião é mais recente. Chimpanzé que viveu por 33 anos no Zoológico do Rio de Janeiro e foi reconhecido por todos como o bicho mais intrigante e irreverente que o Zoológico abrigou. Era hors concours, parecia ter consciência disso e chegou a jogar areia na cara do Prefeito do Rio quando este foi ao Zoológico inaugurar uma nova jaula para o Macaco. Na acirrada campanha para prefeito da cidade, a revista “Casseta Popular”, com apoio do então Deputado e Jornalista Fernando Gabeira (PV), lança a candidatura do Macaco Tião a Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro em 1988. Com mais de 400 mil votos (12% dos votos válidos), o Macaco Tião fica em Terceiro Lugar, depois de Marcelo Alencar/PSDB (primeiro lugar), Jorge
Bittar/PT (segundo lugar), e na frente de Roberto Jefferson (quarto colocado).
Essas e outras estórias aconteceram no tempo das cédulas de papel, onde os eleitores escreviam o nome de seus candidatos com “letras do próprio punho”, como se dizia; e, depois, essas cédulas eram contadas manualmente em longas e tumultuadas seções de apuração, donde saíam os eleitos. Ficaram conhecidas como parte do Folclore Político Brasileiro. Na verdade, elas escondem coisas fundamentais: política não é brincadeira; e o povo não é besta. Cuidado! O voto impresso pode ser o Bode Ioiô, o Cacareco ou o Macaco Tião do ano que vem!